segunda-feira, 25 de março de 2013

Arqueologia I

Cultura Material e História:
Relação entre História e Arqueologia, Fontes Escritas e Fontes Materiais[1]
D.F.IZIDRO

Introdução: Não obstante a relação entre cultura material e história e suas fontes textuais seja antiga e óbvia, a potencialidade e contribuição mútua de ambas na compreensão não apenas material, mas também simbólica das antigas sociedades é um fenômeno epistemológico de certa forma recente,relacionado também com o advento da “Nova História”, a qual apregoa,dentre outras coisas,que História não se faz apenas com documentos escritos. O cruzamento de fontes arqueológicas e históricas,contudo,não se dá sem complexidade em relação à natureza destas fontes e a subjetividade da interpretação das mesmas,especialmente das últimas. Por conseguinte, problemas relacionados com uma possível hierarquia de fiabilidade e/ou objetividade destas fontes também estão em pauta.

Justificativa: Diante do fato cada vez mais óbvio de que a cultura material e a história,no que tange às suas fontes escritas,contribuem mutuamente para o estudo do passado da humanidade,tanto no aspecto material,como no simbólico,problematizações sobre a natureza destas fontes e seu potencial informativo,bem como o modo como devem ser utilizadas no processo histórico-arqueológico são não só justificáveis como também necessárias.

Objetivos: Este estudo pretende discutir sobre as fontes materiais e documentos escritos,cultura material e história,respectivamente,no que diz respeito à importância desse cruzamento e aos problemas relacionados com a metodologia do uso das mesmas no fazer História e Arqueologia hoje a partir de  estudiosos como Pedro Paulo Funari.Em outros termos, apontar a importância,validade e contribuição,cada vez mais nítida,do cruzamento da cultura material com documentos históricos escritos para o fazer história e arqueologia,bem como os problemas que envolvem essa operação.

Metodologia: Pesquisa Bibliográfica:Este estudo busca discutir sobre a natureza,relação e potencialidade das fontes materiais e escritas,e seus problemas inerentes,a partir da reflexão e contribuição bibliográfica dos arqueológos e historiadores cujas obras são referidas na bibliografia.

Delimitação do Problema: Como se dá a relação entre História e Arqueologia, entre Cultura Material e Fontes Escritas no estudo do acontecimento passado e das antigas sociedades, segundo o estado atual da pesquisa nesses campos científicos?

DESENVOLVIMENTO

A materialidade associada a cultura,denominada “cultura material” desde a primeira metade do século XX,no contexto da historiografia marxista e/ou do materialismo histórico,diz respeito aos objetos ou “coisas” da vida cotidiana de antigas sociedades ou povos.Trata-se de objetos feitos pelo homem ou transformados por ele.Segundo Pesez (1998:180), “a cultura material se exprime no concreto,nos e pelos objetos”. Em função de sua contribuição como fonte para a explicação da vida social de antigos povos,a cultura material tem sido utilizada por diferentes campos de estudo,dentre eles o da própria História. Na verdade,a própria Arqueologia,cujo objeto de estudo é a cultura material,se originou da História,pelo menos segundo a tradição européia.No que diz respeito a Arqueologia,sabe-se que a cultura material estudada pelo arqueológo faz parte de um contexto histórico específico,o qual precisa ser estudado com fins a compreensão e intepretação dos vestígios materiais em questão. Os vestígios materiais da sociedade greco-romana só podem ser devidamente interpretados,por exemplo,à luz do conhecimento histórico que se tem sobre essa mesma sociedade.Não obstante as discussões dos historiadores sobre determinados tópicos da História e a inevitável subjetividade de sua construção,como bem observara Funari (2006:85) essas controvérsias precisam ser conhecidas e relacionadas a cultura material em estudo.

Do lado da História também se tem sentido a necessidade de fazer “conexões” com a cultura material(CARDOSO,2005:3),admitindo-se, dentre outras coisas, que a História precisa ampliar cada vez mais seu campo de atuação. Os Artefatos,por exemplo,são indicativos,direcionadores e mediadores de relações sociais (FUNARI,2006:33),portanto uma importante fonte para historiadores. O estudo da cultura material também possibilita ao historiador o acesso a antigas civilizações sem escrita,como os povos pré-históricos,ou cuja escrita ainda não pudera ser decifrada. No que diz respeito à objetividade das fontes para a reconstrução do passado,a cultura material também parece favorecer mais o historiador,pois seus vestígios materiais são involuntários e não-ideológicos,diferentemente das fontes documentais escritas.Devido a própria natureza de suas fontes,a Arqueologia transcende a História pautada apenas em fontes escritas de viés de classe,acessando assim temas ausentes ou ignorados pela documentação escrita e que são próprios da vida cotidiana. As fontes escritas excluem tais assuntos da vida cotidiana por subestima-los e considerá-los supérfluos.Aqueles que desejarem empreender uma pesquisa histórica sobre segmentos sociais marginalizados ou pouco conhecidos poderão se utilizar amplamente de fontes arqueológicas,isto é,de cultura material afim. Historiadores antigos como Heródoto e Tucídides,por exemplo,também não se limitaram às fontes escritas,antes se valeram do que hoje nós chamaríamos de fontes arqueológicas.Portanto,não obstante a origem filológica e conseqüênte ligação da História com documentos escritos,tem sido possivel demonstrar que História não se faz apenas com documentos escritos,como se supunha nas primeiras décadas do século XIX. Mas foi também a partir do século XIX que se percebeu o valor da cultura material como fonte histórica.Desde então,mesmo as civilizações cuja história nos chegara através de várias obras literárias foram estudadas também a partir das descobertas arqueológicas ou de evidências materiais,tais como o Egito e a Roma Antiga. Portanto,a História e a Arqueologia,no que diz respeito às fontes escritas e materiais,respectivamente, interrelacionam-se,contribuem-se e complementam-se grandemente.

A convergência ou utilização simultânea dessas fontes,contudo,não se dá sem problematizações. Como já mencionado,o caráter ideológico das fontes escritas precisa ser admitido e supervisionado. Nesse particular,a cultura material tem contribuído para identificar essa tendência ideológica das fontes escritas,uma vez que ela mesma serve de testemunho involuntário da história,resultando do esforço de pessoas comuns. Por isso,mesmo que os documentos escritos e a cultura material sejam produtos de uma mesma sociedade,condição própria da Arqueologia Histórica,estes podem não se mostrar complementares ou convergentes,pois enquanto a cultura material é resultado do trabalho humano trivial,a fonte escrita é fruto de uma interpretação ideológica da realidade,informando-nos mais sobre seus autores e uma minoria social elitista do que sobre a sociedade. Na verdade,a cultura material pode não apenas complementar ou confirmar as fontes escritas,mas também confrontá-las ou contradize-las. Dissonâncias entre fontes escritas e materiais têm sido cada vez mais notadas na pesquisa arqueológico-histórica. Para lidar com esse fenômeno,propõe-se que o estudioso atente para a natureza peculiar de cada fonte no que tange à questão da subjetividade ou objetividade das mesmas;e que se explore tanto as convergências quanto as divergências entre as fontes escritas e materiais,tendo em vista o significado das evidências materiais e os mecanismos ideológicos das evidências escritas. Uma vez que a expressão cultural de antigas ou modernas sociedades se dá através de fontes escritas e cultura material,em um discurso verbal e artefatual,o processo de convergência destas fontes,bem como de seu potencial informativo precisa ser constantemente analisado e problematizado,com fins o aperfeiçoamente do uso de ambos os recursos,escritos e materiais,tanto pela História quanto pela Arqueologia,estas duas ciências distintas,mas em crescente relação.

Conclusão: O diálogo interdisciplinar tem se mostrado cada vez mais imprescindível em todos os campos do saber científico;nos esforços humanos de compreender a história de seu passado ou contemporaneidade,também não poderia ser diferente. A proposta epistemológico da “Nova História” ampliou os horizontes de fontes e métodos na construção historiográfica resgatando a cultura material da margem meramente auxiliar da história para o centro da pesquisa histórica. Valorizar esse diálogo interdisciplinar e metodológico entre a expressão cultural material das antigas sociedades e sua produção escrita tem se mostrado útil e imprescindível,não apenas para a Arqueologia Histórica (que comumente estuda as antigas sociedades com escrita desde o século XV),mas para todos os seguimentos do estudo arqueológico que leva em consideração fontes materiais e fontes escritas produzidas pela mesma sociedade em estudo, tais como as arqueologias Clássica,Bíblica, Egípcia e Médio Oriental.

Referências Bibliográficas

BURKE,Peter.O que é História Cultural?.Rio de Janeiro:Zahar,2005.
CAPEL,Heloisa.A Casa Como Representação Cultural.Fragmentos de Cultura,Goiânia, v.14,n.9, p.1637-1645,set.2004.
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FUNARI,Pedro Paulo A.Arqueologia.2.ed.São Paulo:Contexto,2006
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GALLOWAY,Patricia.Material Culture and Text:Exploring the Spaces Within and Between.IN: HALL,Martin;SILLIMAN,Stephen W.Historical Archaeology.Wiley-Backwell,2006.p.42-64.
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[1] Comunicação Científica apresentada por ocasião da I Jornada de Arqueologia no Cerrado e suas Interfaces com a Arqueologia Brasileira, promovida pelo curso de Arqueologia/Instituto Goiano de Pré-história e Antropologia – IGPA, da Pontifícia Universidade Católica de Goiás, realizada no período de 12-15 de maio de 2009.

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