quinta-feira, 31 de maio de 2012

INTRODUÇÃO À CIÊNCIA ANTROPOLÓGICA III

Antropologia Urbana

O texto que segue trata-se de um “resumo” com recortes que fiz de passagens importantes do pensamento de Gilberto Velho sobre Antropologia Urbana, em um artigo seu intitulado Antropologia Urbana: Encontro de Tradições e Novas Perspectivas.

Antropologia Urbana: Por um novo e vasto olhar antropológico

A antropologia urbana é, inevitavelmente, inter e multidisciplinar. Tal diálogo e a comunicação entre diferentes disciplinas e linhas de pesquisa tem sido bastante valorizado hoje.
Contudo, foi não apenas isso, mas também o fato da própria complexidade da cidade moderno-contemporânea, particularmente das grandes metrópoles, que levou ao interesse e desenvolvimento dessa área de pesquisa.
Foi a partir da segunda metade do século XIX que pensadores de diferentes orientações passaram a se dedicar, de forma sistemática, à reflexão e pesquisa sobre o meio urbano. Tal interesse pelo urbano e/ou pela cidade se deu em paralelo ao desenvolvimento da própria antropologia como um todo que, inicialmente, voltava-se apenas para o estudo do mais distante e do aparentemente exótico e remoto.
Ademais, tal interesse pelo urbano e suas variedades se deu na Escola de Chicago, entre 1892 e 1929, no departamento de Sociologia e Antropologia da Universidade de Chicago, cujos expoentes William Thomas e Robert Park demonstraram bastante interesse pelas sociedades tribais e tradicionais, buscando identificar e compreender as diferenças socioculturais dentro das grandes cidades em acelerado crescimento, as quais consideravam tão importantes de serem estudadas como as diferenças entre sociedades e culturas aparentemente mais distantes e exóticas.
Os interesses e trabalhos da Escola de Chicago eram muito diversificados, portanto, sendo impossível colocá-los em um compartimento estanque. A Escola de Chicago não tinha uma unidade doutrinária, sendo constituída por uma rede de profissionais com tipos e graus diferentes de ligação com o interacionismo, o pragmatismo, a fenomenologia, a ecologia e o marxismo. Era o interesse pela pesquisa dos mais variados tipos com destaque para o trabalho de campo e observação participante que os unia. Essa variedade de objetos, contudo, eram selecionados no meio urbano, especialmente de Chicago, seu laboratório urbano por excelência,embora tenha se estendido também por todo Estados Unidos e outras partes do mundo.
Eis alguns dos temas estudados: relações raciais, ecologia urbana, carreiras e profissões, grupos desviantes, arte, minorias étnicas, processos de socialização, instituições totais, imprensa, comunicação de massas, bairros, educação, etc.
Tal heterogeneidade de objetos estimulou o desenvolvimento de várias linhas de investigação, com diferentes modos de olhar e de perceber a realidade de modo que, assim, buscavam e descobriam também novos temas e questões, em um processo de produção científica exemplar.
A forte influência de G. Simmel nessa Escola e nesses estudos é indubitável, não apenas nos estudos da sociedade,mas também da realidade em geral,pois para ele nada era insignificante e secundário. Escreveu sobre dinheiro e mercado, individualismo, conflito, sociabilidade, música, prostituição, aventura e aventureiros, culturas subjetiva e objetiva, grupos e redes, cultura feminina, formas sociais, ponte e porta, destino, rosto, paisagem, alimentação, estética, arte em geral. Sua abertura intelectual e interesses eram supradisciplinar.
A complexidade, dimensão e heterogeneidade dos grandes centros urbanos moderno-contemporâneos introduzem novas dimensões na experiência e comportamento humanos, algo mais fortemente evidenciado a partir da Revolução Industrial, com os grandes deslocamentos populacionais, migrações e profundas transformações na estrutura e na divisão social do trabalho, com fortes consequências para a produção em geral. Tudo isso, contudo, não se deu somente no nível específico do trabalho, mas, de modo mais amplo, no que toca à aparição e multiplicação de novos papéis e domínios sociais. Torna-se, assim, importante a análise que focaliza o multipertencimento como fenômeno que evidencia o trânsito não só entre diferentes correntes, mas entre distintos domínios e níveis da realidade.
No campo das ciências sociais, desde Simmel, pelo menos, se fala de indivíduo como categoria básica constitutiva, através da interação, da vida social. Surge, então, a pergunta e/ou dúvida sobre a possibilidade ou não de uma consistência identitária individual e âncoras identitárias algo que depende de uma compreensão melhor das diferentes naturezas da interação,das redes sociais,do trânsito entre universos simbólicos e culturais,das noções de províncias de significado e de mundos,das redes de significado de Clifford Geertz, das correntes de tradição cultural de F. Barth, dos multipertencimentos e do potencial de metamorfose de indivíduos vivendo e agindo em campos de possibilidade socioculturais.
A produção da antropologia urbana tem contribuído de modo significativo nessa direção e poderá se beneficiar bem mais ainda, aprofundando e ampliando suas pesquisas e reflexões.

Sobre Gilberto Cardoso Alves Velho

Nascido no Rio de Janeiro, 1945; antropólogo brasileiro.Graduado em Ciências Sociais pelo Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (1968). Mestre em Antropologia Social também pela UFRJ (1970). Especializou-se em Antropologia Urbana e das Sociedades Complexas na Universidade do Texas, em Austin (1971). Doutor em Ciências Humanas pela Universidade de São Paulo (1975).
Atua nas áreas de Antropologia Urbana, Antropologia das Sociedades Complexas e Teoria Antropológica. Além de vários cargos acadêmicos, como coordenador do PPGAS do Museu Nacional e chefe de Departamento de Antropologia, foi presidente da Associação Brasileira de Antropologia - ABA (1982-84), presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais - ANPOCS (1994-96) e vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (1991-93).
Foi membro do Conselho Consultivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (1983-93), tendo sido relator do primeiro tombamento de terreiro de candomblé realizado no Brasil - Casa Branca, em Salvador. Foi também membro do Conselho Federal de Cultura (1987-88).
Desde 2000, é membro titular da Academia Brasileira de Ciências. Foi agraciado com a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico (2000) e com a Comenda da Ordem de Rio Branco (1999). Tem sido colaborador e professor visitante de várias universidades brasileiras e estrangeiras.
Até o presente, orientou 61 dissertações de mestrado e 29 teses de doutorado.
Atualmente é professor titular e decano do Departamento de Antropologia do Museu Nacional da UFRJ.
  

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